domingo, 27 de abril de 2014

Diletando sobre Capitão América



Já havia pensado em postar algo sobre a mensagem do filme Capitão América II - O soldado invernal, assim como fiz com o filme do Thor e então fui chamado pelo meu amigo Frederico a dar minha opinião.
O Fred perguntou porque esse filme despertou nele "um impeto pelo diletantismo e pela excelência. Vontade de viver, trabalhar e fazer as coisas bem feitas".
Bem Fred, acho que não tenho uma resposta para isso. É realmente muito complexo pensar naquilo que motiva um indivíduo em particular sem poder analisar vários aspectos da vida do mesmo. Porém, são sentimentos nobres. Buscar a excelência, o prazer, pelas letras, pela arte, se dedicar a algo por prazer e não por obrigação. São boas aspirações. Diria até que são aspirações que comungam de muito que a ética protestante em específico aquela ética do calvinismo incita aos seus seguidores.
Ora, o Capitão América, que segundo as histórias em quadrinhos é presbiteriano e vai a igreja todos os domingos, é o símbolo da virtude e da moral estados unidense desde a segunda guerra mundial (ele e o superman) e como tal tem o "poder" de inspirar essa busca pela perfeição, esse gosto pelo bem acabado em todos que o assistem. Não é isso que a cena inicial, a da corrida em volta do espelho das águas, junto como Sam Wilson quis dizer. Ele só deu umas 30 voltas porque dormiu mal... Não é apenas isso, o Capitão mostra uma busca diligente por se atualizar e conhecer aquilo que perdeu nos anos em que ficou em hibernação sob o gelo. Por atualizar-se vemos, sobretudo, conhecer os produtos culturais daquele meio tempo. Aliás, a dica do Falcão é excelente!
Não gosto dessas criticas "formula feita". Gosto menos ainda da postura: Sou um intelectual, não vejo esses filmes blockbuster estados unidenses feitos para alienar o povo e desmobilizar politicamente.



Mas, vamos lá, o que achei do filme?
Como um leitor de quadrinhos não podia exigir nada melhor. Muita fidelidade em figurinos, lutas e diálogos. Além dos "eastereggs" embutidos na trama sinalizando o que virá (Homem Formiga e Doutor Estranho). O filme tem uma excelente direção, fotografia que não deixa a desejar em nada para filmes de Oscar e muita ação.
Esse é o comentário de qualquer critico meia boca que gostou do filme, facil de encontrar na internet. Mas, não deixa de ser verdadeiro.
Note o caso da ação do filme, por exemplo. Capitão América II mostra uma sequência de lutas a aproximadamente cada 15 minutos. E as lutas são muito bem equilibradas, muito bem coreografadas.
A cena em que o Capitão sai da SHIELD de moto e derruba um avião é demais, eu estava vendo os quadrinhos em ação ali. O escudo do Capitão funciona nesse filme. Diferente do primeiro filme em que o escudo parecia um acessório reluzente para chamar a atenção dos inimigos e não era nada funcional nas lutas do capitão, nesse filme o escudo é quase uma extensão do braço do Capitão, além de terem dado uma estética mais metálica ao acessório que o deixou muito mais legal.
O filme aposta em diálogos curtos e com vários momentos de humor, uma receita que a Marvel aprendeu com Homem de Ferro e se tornou a constante de todos os seus filmes. Em time que está ganhando... Não há muito o que analisar aí.
E quanto ao conteúdo, o mote do filme é a luta do Capitão América contra o Projeto Insight. O inimigo agora é interno... Ou quase, uma vez que o inimigo continua sendo a Hidra infiltrada na SHIELD, organização a qual o Capitão agora é filiado. Mas, o questionamento é interessante, o direito de uma instituição em nome da segurança da população intervir sobre uma ameaça antes dela acontecer.
O Sentinela da Liberdade - como é conhecido o Capitão América - não poderia deixar isso acontecer e por isso mesmo torna-se, mesmo que temporariamente, um fora da lei. Insinua-se aí a questão de que o certo e o errado, em nossos dias, não são uma questão de preto no branco. A ambiguidade, ou a incerteza é o grande inimigo contra quem o Capitão/Steve Rogers (Chris Evans) a Viuva Negra/Natasha Romanov (Scarlett Johansson) e o Falcão/Sam Wilson (Anthony Mackie) lutam durante todo o filme. É este também, curiosamente, o maior problema de nossa época, segundo Bauman. A incerteza do que se fazer, de quem devemos confiar e para onde devemos seguir.
A resposta encontrada pelo old school, mother fucker, Samuel (Nick Fury) L. Jackson foi bala neles. (risos) Ataquem a ameaça antes que a ameaça nos ataque. Talvez possamos tomar essa resposta como uma metáfora para a presença dos fundamentalismos (não apenas religiosos, mas todo comportamento fundamentalista, o político, o esportivo e outro que você consiga pensar) em nossos dias. Não é isso que o fundamentalismo pede? Sacrifique sua liberdade em nome da segurança. Você não precisa pensar e sair do seu conforto/prazer pensando, ponderando, discernindo quem são os seus inimigos, basta confiar a nós, instituições supremas, o poder de escolher e decidir para e por você que diremos quem são os seus inimigos, antes que eles apareçam, e criaremos nossas campanhas de erradicação do mal.
Pense nos pastores e políticos criando inimigos para combater em nome do bem e do que é bom para a sociedade - é fácil, basta você lembrar do jogo de empurra que tem acontecido no congresso com respeito das cpi's da petrobras e do PSDB-  e veremos um paralelo entre as nossas acomodações tácitas ao que nos dizem as intituições (os jornais, as igrejas, a faculdade, a ciência) e o desejo de destruir o inimigo antes que ele apareça instilado pela Hidra, por meio do secretário de segurança Alexander Pierce (Robert Redford) e do dr. Arnim Zola (Toby Jones), agora um programa de computador (quadrinhos lembra? não dá pra esperar muita realidade daí rsrsrs). Todos esses, como a Hidra, agem em nome de ideais com aparência de bem. A consequência dessas ações más, mascaradas é a produção da incerteza generalizada e da desconfiança que descredibiliza todas as instituições, sérias ou não, e todas as pessoas, sérias ou não.
Não afirmo que os roteiristas tinham clareza disto quando escreveram o filme. Capitão América II se presta a um bom entretenimento com a finalidade de gerar lucro para os seus produtores, ele trabalha com as consequências criadas pelo primeiro filme dos Vingadores e já prepara o universo Marvel nos cinemas para os próximos filmes. Mas, ainda assim, se pensarmos bem, o filme reflete este espírito da época. O medo difuso, a incerteza generalizada e o descredito das instituições que deveriam gerar segurança e proteger. Também reflete como esta cultura do medo e da incerteza tem produzido reações extremas de todas as partes. Mesmo Nick Fury (Sammuel L. Jackson) atento as mudanças e aos perigos dentro da própria instituição que comandava sucumbiu a tentação de engendrar atitudes extremas. O Capitão foi quem teve que botar freios nisso.
Além disso, chamou minha atenção a mudança que instilaram no diligente e aplicado Steve Rogers a partir da interação com a sedutora e voluptuosa Natasha Romanov. Permitir-se flertar não apenas com a Viúva, mas sobretudo com a Agente Carter (Hayley Atwell) parece indicar um principio de individualização do personagem.
Não que o interesse romântico não estivesse presente também no primeiro filme, mas este filme ele aparece "menos romântico" e mais "sexual". Os diálogos com Natasha (Johansson) indicam isso. Mais uma vez, parece que podemos vislumbrar os indícios da cultura da nossa época invadindo e permeando a obra artística. Na tentativa de "humanizar" o personagem podemos observar a conotação sexual dos diálogos com a personagem que representa a atualização, a autonomia e o protagonismo feminino. Aliás, a atuação de Johansson e o papel da Viúva Negra nesse filme foram perfeitos, ela deixou o papel de coadjuvante voluptuoso de canto de cena que tinha nos filmes do Homem de Ferro e dos Vingadores para representar BEM o poder e o protagonismo feminino em todas as esferas em nossos dias. Suas lições de como despistar os agentes para Rogers são hilárias, não pela forma como ela usa bem seus atributos femininos, até porque estes estão bem escondidos nessa cena, mas pela forma natural como reage na cena.
Mas, o que quero dizer é que ao destacar a individualidade do personagem Rogers pela sexualidade do mesmo o filme parece querer indicar a tendencia da busca pelo conforto, pelo bem estar e pelo prazer acima de tudo que é comum aos nossos dias. O problema dessa busca é a relativização dos valores orientadores, que nos ajudariam a discernir quem são os inimigos daqueles que são amigos. Problema que Steve Rogers apresenta durante todo o filme. Ele quer saber, se Romanov e Fury são amigos ou inimigos, chega a perguntar durante o filme. Também é o questionamento, não dito, com relação ao Bucky, seu ex-companheiro.
Dito tudo isto tenho que concluir, é claro que concordo que esse é um filme blockbuster feito para entreter e divertir, e sei que quando nos divertimos temos menos chance de pensar criticamente ou nos mobilizarmos politicamente. Mas também acredito que podemos consumir um produto cultural "alienante" sem nos alienarmos, basta usarmos nosso escudo antialienação (sacaram?? kkk) o pensamento autônomo a contrapelo (alusão a Adorno e a Horkheimer).
Já me alonguei demais, mas é isso que pensei a partir do filme Capitão América. Um filme com nota 4,5 na minha escala que vai de 0 a 5. Recomendo e verei novamente.

Continuem lendo o blog, e digam se apoiam a ideia de comentários de filmes e séries por videologs ou não.

Abraço a todos, os vejo no futuro.



Estudos Anticoloniais, Pós-Coloniais, Decoloniais, Subalternos e Epistemologias do Sul

Recebi esta lista no whatsapp, enviada por uma amiga. Reposto o texto na integra para quem interessar começar a se aprofundar no tema. ...