sexta-feira, 2 de maio de 2014

Saving Mr. Banks; "o que nos acontece na infância nos marca para toda a vida"

"Ventos do leste, magia chegando. como se algo brilhante estivesse para acontecer. Náo consigo prever o que o destino nos reserva. Mas sinto que está para acontecer. Tudo que já aconteceu antes..."

Assisti a Saving Mr. Banks a pouco. Devo admitir que o filme me surpreendeu positivamente.
O filme é visualmente despretensioso, o que chama a atenção posto que é um filme que envolve o "mundo de Walt Disney". Quer dizer, está tudo certo, figurinos e ambientação, porém nada que se destaque. Mesmo a fotografia e a iluminação podem ser consideradas no maximo moderadas.
O titulo do filme em inglês, no entanto, é extremamente apropriado, o que me deixa extremamente decepcionado para a tradução em português (Walt nos bastidores de Marry Poppins).
Por falar em moderação, devo destacar a atuação de Tom Hanks no filme, sua moderação no papel de Walt só mostram que o ator não perdeu a pegada, ao contrário, o personagem por não se destacar em demasia da o tom certo ao filme. Ou seja, Emma Thompson ganha a proporção adequada para desenvolver a intragável Pamela "P.L." Travers (autora de Marry Poppins).
O filme aborda a parte final da conturbada e problemática negociação entre Disney e Travers pelos direitos da adaptação do livro de Travers para o cinema. Emma Thompson vive a australiana radicada na Inglaterra que se vê "obrigada"a viajar para os Estados Unidos da América, por força da necessidade financeira, para encerrar as negociações com o obstinado Disney (Tom Hanks). No entanto, a autora se recusa a vender a "sua Poppins" que "é da família" para o império de Disney, que segundo a sua opinião era um homem preocupado exclusivamente com dinheiro e lucro.
Não precisou de mais que alguns minutos do filme para eu me sentir pessoalmente incomodado com a postura antipática da metódica e rabugenta senhora Travers e tenho certeza de que muitos que puderam ver ao filme concordam com a minha opinião.
O filme é cortado por flashbacks da infância da senhora Travers na Austrália e a sua relação com o pai, Travers R. Goff (vivido por Collin Farrell, que está bem no papel) o que gradualmente explica a amargura e intolerância da personagem e que modifica a perspectiva sobre a mesma dando ao filme uma dimensão humana inesperada.

Mas, o que me pegou neste filme foi a tácita afirmação de que o que nos acontece na infância nos marca para toda a vida (afirmação presente também, embora de um modo diferente, no EXCELENTE The Blind Side (Um Sonho Possível, no Brasil) filme também dirigido por John Lee Hancock).
Gradativamente o filme insinua que elementos presentes no livro de Travers, Marry Poppins, foram extraídos
da conturbada relação da pequena Hellen Goff (verdadeiro nome de P. L. Travers) com o pai alcoólatra. Na verdade, ao apresentar o processo de desencantamento da menina com a figura do pai o filme acaba por justificar o comportamento austero e intransigente que a senhora desenvolveu, isso cumpre a função de captar, ao final do processo, a simpatia do espectador, pelo menos a minha conquistou.


O filme acaba bem, mas eu não diria que tem um "final feliz".
O filme é rodado ao final e Travers até comparece ã première do mesmo em Los Angeles. Porém, a amargura da personagem é mantida, em meio a algumas nuanças eventuais de reações emocionais. Assim, o filme parece concordar com uma das afirmações colocadas na boca da senhora Travis durante o filme, a afirmação de que não se deve encarar a vida armado de capricho e sentimentos, de não disfarçar a escuridão do mundo (para as crianças) que eventualmente e inevitavelmente todos nós conheceremos (no meu caso já conheci, rs) com musicas e com aqueles sentimentos adocicados.
Com isso, apesar da nítida impressão de uma superação do passado ser transmitida, a afirmação eventual de que eventos do passado, principalmente os eventos da infância, marcam-nos profundamente vida a fora parece não apenas ser mantido, mas reforçado. (Premissa freudiana novamente se fazendo presente em nossa cultura de massas).
Sobre a irreversibilidade dos traumas vividos, ou dizendo de uma outra forma, da incapacidade de superação desses traumas. Esta parece ser a afirmação subterrânea do filme Saving Mr. Banks.
Os elementos do filme que me indicam isso, não estão presentes apenas no comportamento da personagem de Emma Thompson, mas, sobretudo, no modo como o diretor encerra o filme: recitando a frase inicial: "Ventos do leste, magia chegando. como se algo brilhante estivesse para acontecer. Não consigo prever o que o destino nos reserva. Mas sinto que está para acontecer. Tudo que já aconteceu antes..."
Conclui, a partir disso, que o filme narra a história de uma pessoa presa no passado, incapaz de superá-lo e que por esse motivo se apega as memórias do passado tanto quanto na sua forma sublimada, o personagem Mr. Banks.
Manter a figura de Banks, o personagem do livro da senhora Travis, a salvo aqui, então, ganha um novo significado. Significa olhar com o cuidado necessário para não tocar num ultimo baluarte que mantém a estabilidade psicológica de uma pessoa profundamente marcada pela vida. Algo assegurado por Disney (Tom Hanks). E com isso, o filme parece fazer uma ultima afirmação, a de que para preservar a vida algumas doenças precisarão ser mantidas. Foi isso que me surpreendeu positivamente no filme. Pois, é sinal de dominação pela opressiva cultura perfeccionista de nossos dias a busca compulsiva pela saúde (psicológica) dos indivíduos. Esta compulsão muitas vezes pode embaçar a visão de que estamos tentando, no afã de ajudar, retirar algo que é imprescindível para a vida do outro. É necessário um olhar atento para tal dimensão, um olhar interessado e uma disposição incansável para manter essa sensibilidade ao se perceber isto.
Talvez, esse seja o mérito do filme, produzir uma inquietação nos que assistirem ao filme no sentido de que uma cura nem sempre caminhará pelos caminhos e definições de "cura" socialmente aceitos. Pensar numa outra forma de normalidade e de sanidade, para além do que é socialmente aceito e proposto pela sociedade do perfeccionismo em que estamos.

Gostei do filme. Daria uma nota 3,5 numa escala de 0 até 5.

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