"Ai se eu te pego" - Reflexões da dinâmica psicossocial a partir do desenvolvimento do gênero sertanejo no Brasil
“Ai se eu te pego” verso da música de Michel Teló que faz
muito sucesso nos últimos dias não é só uma espécie de cantada, mas também uma
ameaça.
A cultura popular brasileira tem produzido dois fenômenos
dignos de nota e reflexão. O primeiro é o fenômeno do sertanejo universitário,
gênero musical claramente atrelado à um estilo de vida muito especifico. O
segundo é o fenômeno dos e das assistentes de palco de programas de auditório –
como os assistentes das apresentadoras Eliana e Ana Hikmam além das já muito
comentadas, por seus atributos físicos, paniquetes – como sugestão de ideal de
beleza e comportamento.
Estes dois fenômenos são sugestivos do processo de
transformação sócio-histórico-cultural que o Ocidente tem passado nos últimos
séculos. Falaremos detidamente das origens deste processo no próximo texto, por hora vamos apenas
apresentar o problema.
Ora, o problema é o que o
dr. Anderson C. Pires chamou de “medo de alienação do ego” e também acoplado a
isso a “síndrome de aletofobia” discutida por esse sociólogo e teólogo (PIRES,
2011, p. 18).
O que significam estas
expressões? Qual a relação delas com o sertanejo universitário e com
assistentes de palco?
O Sertanejo Universitário E O Principio Político Da Plausibilização Do Eros.
O sertanejo universitário
é um gênero musical na moda hoje em dia. Nomes como Michel Teló e outros tem
ganhado reputação e muito dinheiro com sucessos como: Paradinha, Chora e me
liga, Ai se eu te pego e outros.
Isso significa que no
período em que chamamos de pós-modernidade, ou modernidade líquida, o prazer
passou a se destacar como legitimação dos critérios de escolha dos indivíduos,
substituindo os princípios éticos como orientadores da ação.
As músicas citadas
comportam em sua linguagem mensagens de duplo sentido que constantemente falam
de ações cotidianas e corriqueiras, mas que ao mesmo tempo denotam forte
conteúdo sexual.
Nesta linguagem ambígua
revela-se os dois princípios hermenêuticos da estrutura psicológica do mundo
pós-freudiano. O principio das disposições de “medo de privação, que é o
principio da morte, o Tanatos, que representa os resquícios da sociedade
proibitiva. O segundo é a racionalidade da entrega ao desejo (síndrome de
consumismo), que produz a disposição de romper com tradições em nome da
promessa de prazer que constitui a psicologia de “gratificação imediata”
(PIRES, 2010).
Estas disposições não se restringem ao conteúdo das letras do sertanejo
universitário, ao contrário, este ultimo é um elemento dos muitos produtos
culturais que poderiam – e que serão – analisados sob este prisma.
Enfim, a psicologia da
gratificação imediata transborda do conteúdo das letras do sertanejo
universitário e passam a permear a vida dos seus consumidores. A prova mais
cabal desse fato é a multiplicação das baladas deste estilo em todo país. Estas
baladas tem “arrastado” milhões de pessoas, tem movimentado centenas de milhões
na economia e tem se constituído como o ideal de felicidade/satisfação de outra
centena de milhões de pessoas que por motivos diversos tem permanecido à margem
do processo.
Síndrome De Gratificação Imediata E O Medo De Ser Rejeitado.
Pois, a síndrome da
gratificação imediata, segundo o dr. Pires, é a base fundamental da “síndrome
de aletofobia” e do “medo de alienação do ego” (PIRES, 2010).
Esta síndrome da
gratificação imediata esta então diretamente relacionada com o fenômeno que o
sociólogo britânico Anthony Giddens chamou de destradicionalização da sociedade
Ocidental.
Neste fenômeno o que
presenciamos é um relaxamento ético e moral baseado na desvalorização de
conteúdos dos valores tradicionais orientadores da conduta em nome do ideal de
realização/satisfação imediata, no presente. É a troca do bem pelo bom.
O que a música e o estilo
de vida de seus consumidores expressam é um senso de permissividade que busca
nas suas práticas, principalmente as sexuais, a realização de um ideal de
felicidade. O que não se revela aí, contudo, é a política da insaciabilidade,
pois, uma vez abandonados os valores para os comportamentos tradicionais o medo
de alienação do ego, compreendido como uma incapacidade de sofrer qualquer
perda coloca em movimento a estrutura psicológica de busca de satisfação
irrefreável. Porque a falta dos padrões gera a incerteza sobre a validade da
escolha, como uma escolha certa.
As letras das músicas
revelam isto.
A satisfação do eu é
sempre buscada na relação que o “eu” tem com o “tu”.

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Nessas interações cada um acaba por
avaliar-se moral, estética ou cognitivamente por meio da eleição dos predicados
considerados mais desejáveis. “Por esta razão, há sempre a intenção de se
construir uma “autoimagem” condicionada pela expectativa que se move do “tu” em
relação ao “eu” no processo de interatividade” (PIRES, 2011).
O medo de ser rejeitado é
produzido pela expectativa que se move do “alter” para o “ego” na interação e é
decorrente tanto da imagem que se forma nesse processo quanto da esmagadora
força da incapacidade de perder que comentamos acima quando falamos da síndrome
de gratificação imediata.
A síndrome de aletofobia e os assistentes de palco.
“A necessidade de ser
aceito pelo outro acaba produzindo no “eu” a necessidade de alterar os
elementos estruturantes constitutivos da própria identidade” (PIRES, 2011).
Passamos a desejar e a assumir os predicados alheios como meio de se construir
uma socialização que não produza o trauma da negação e da autonegação.
Curiosamente acabamos por
potencializar o medo de sermos rejeitados, pois damos o primeiro passo nos
auto-rejeitando e fugindo à vida autentica.
As “coleguinhas de palco”
e os “bombados” entram nesse jogo como as formulas prontas para aqueles que tem
aversão à perda. Eles e elas projetam no imaginário popular um ideal de
“desejabilidade” e com isso reforçam:
a) A síndrome da
gratificação imediata. Na medida em que acena que o ideal de satisfação
apregoado pelas músicas do sertanejo universitário é alcançável a qualquer um
que se dedique ou que se possa pagar por isso. A qualquer um que consiga se
auto-afirmar por meio de um corpo desejável.
A desvalorização das
próprias qualidades, à afirmação de predicados que não são os propriamente
meus, mas afirmo possuir, isso conceituou-se de vida não - autentica, ou como
diz o dr. Pires com maior precisão: síndrome de aletofobia. Uma incapacidade de
reconhecer os próprios predicados e vivenciá-los associada à compulsiva
tendência a copiar os predicados de terceiros. Tendência, que como foi dito,
existe em função da aversão pela perda e medo de perder. Síndrome de aletofobia
significa, portanto, a disposição contemporaneamente naturalizada de se viver
por papeis que ocultem a verdade de quem o indivíduo realmente é.
Uma vida marcada peal
busca e pelo medo. A busca eterna da satisfação – ou dito de uma forma mais
acertada: a aversão por perder qualquer ínfima satisfação – e o medo de ser
flagrado na realidade de que as qualidades que o “eu” possui não são aquelas
que são socialmente desejáveis.
“Ai se eu te pego”, em
nossos dias é mais que uma cantada, cantada nas noites de diversão daqueles que
estão ansiosos por autoafirmar performaticamente seu potencial de atratividade
e assim compensar seu subterrâneo medo de perder a possibilidade de sorver
algum prazer que justifique a própria existência. É também uma ameaça que força
todos que vivem sem uma estrutura valorativa firmemente estabelecida a se
esconder sob uma máscara.
Referencial bibliográfico:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
GIDDENS, Anthony. Transformação da Intimidade: sexualidade, amor e
erotismo. São Paulo, UNESP, 1993.
______.
As consequências da modernidade.São Paulo: UNESP, 1991.
TAVARES, Gilson. Os males da vida moderna e da dependência química.
Disponível em: < http://www.webartigos.com/artigos/os-males-da-vida-moderna-e-a-dependencia-quimica/16369/>
______. A vida em uma sociedade pós-tradicional.
In: Em defesa da sociologia. São
Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 21 – 95.
LYOTARD, Jean François. O pós-moderno. Rio de
Janeiro: J.O. Editora, 1978.
PIRES, Anderson Clayton. Síndrome de aletofobia e
cultura de repressão. In: Psicoteologia.
São Paulo: Ano XXI, nº 26, I Semestre 2010, p. 16 – 20.
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