terça-feira, 4 de novembro de 2014

"Ai se eu te pego" - Reflexões da dinâmica psicossocial a partir do desenvolvimento do gênero sertanejo no Brasil

“Ai se eu te pego” verso da música de Michel Teló que faz muito sucesso nos últimos dias não é só uma espécie de cantada, mas também uma ameaça.
A cultura popular brasileira tem produzido dois fenômenos dignos de nota e reflexão. O primeiro é o fenômeno do sertanejo universitário, gênero musical claramente atrelado à um estilo de vida muito especifico. O segundo é o fenômeno dos e das assistentes de palco de programas de auditório – como os assistentes das apresentadoras Eliana e Ana Hikmam além das já muito comentadas, por seus atributos físicos, paniquetes – como sugestão de ideal de beleza e comportamento.
Estes dois fenômenos são sugestivos do processo de transformação sócio-histórico-cultural que o Ocidente tem passado nos últimos séculos. Falaremos detidamente das origens deste processo no próximo texto, por hora vamos apenas apresentar o problema.
Ora, o problema é o que o dr. Anderson C. Pires chamou de “medo de alienação do ego” e também acoplado a isso a “síndrome de aletofobia” discutida por esse sociólogo e teólogo (PIRES, 2011, p. 18).
O que significam estas expressões? Qual a relação delas com o sertanejo universitário e com assistentes de palco?

O Sertanejo Universitário E O Principio Político Da Plausibilização Do Eros.


O sertanejo universitário é um gênero musical na moda hoje em dia. Nomes como Michel Teló e outros tem ganhado reputação e muito dinheiro com sucessos como: Paradinha, Chora e me liga, Ai se eu te pego e outros.
O que o conteúdo destas letras revelam. Elas revelam o que o professor Pires chamou de princípio de plausibilização política do Eros (PIRES, 2011, p. 17).
Isso significa que no período em que chamamos de pós-modernidade, ou modernidade líquida, o prazer passou a se destacar como legitimação dos critérios de escolha dos indivíduos, substituindo os princípios éticos como orientadores da ação.
As músicas citadas comportam em sua linguagem mensagens de duplo sentido que constantemente falam de ações cotidianas e corriqueiras, mas que ao mesmo tempo denotam forte conteúdo sexual.

Nesta linguagem ambígua revela-se os dois princípios hermenêuticos da estrutura psicológica do mundo pós-freudiano. O principio das disposições de “medo de privação, que é o principio da morte, o Tanatos, que representa os resquícios da sociedade proibitiva. O segundo é a racionalidade da entrega ao desejo (síndrome de consumismo), que produz a disposição de romper com tradições em nome da promessa de prazer que constitui a psicologia de “gratificação imediata” (PIRES, 2010).
Estas disposições não se restringem ao conteúdo das letras do sertanejo universitário, ao contrário, este ultimo é um elemento dos muitos produtos culturais que poderiam – e que serão – analisados sob este prisma.
Enfim, a psicologia da gratificação imediata transborda do conteúdo das letras do sertanejo universitário e passam a permear a vida dos seus consumidores. A prova mais cabal desse fato é a multiplicação das baladas deste estilo em todo país. Estas baladas tem “arrastado” milhões de pessoas, tem movimentado centenas de milhões na economia e tem se constituído como o ideal de felicidade/satisfação de outra centena de milhões de pessoas que por motivos diversos tem permanecido à margem do processo.



Síndrome De Gratificação Imediata E O Medo De Ser Rejeitado.


Pois, a síndrome da gratificação imediata, segundo o dr. Pires, é a base fundamental da “síndrome de aletofobia” e do “medo de alienação do ego” (PIRES, 2010).
Esta síndrome da gratificação imediata esta então diretamente relacionada com o fenômeno que o sociólogo britânico Anthony Giddens chamou de destradicionalização da sociedade Ocidental.
Neste fenômeno o que presenciamos é um relaxamento ético e moral baseado na desvalorização de conteúdos dos valores tradicionais orientadores da conduta em nome do ideal de realização/satisfação imediata, no presente. É a troca do bem pelo bom.
O que a música e o estilo de vida de seus consumidores expressam é um senso de permissividade que busca nas suas práticas, principalmente as sexuais, a realização de um ideal de felicidade. O que não se revela aí, contudo, é a política da insaciabilidade, pois, uma vez abandonados os valores para os comportamentos tradicionais o medo de alienação do ego, compreendido como uma incapacidade de sofrer qualquer perda coloca em movimento a estrutura psicológica de busca de satisfação irrefreável. Porque a falta dos padrões gera a incerteza sobre a validade da escolha, como uma escolha certa.
As letras das músicas revelam isto.
A satisfação do eu é sempre buscada na relação que o “eu” tem com o “tu”.
Pires (2011) afirma que nas relações que os indivíduos estabelecem revela-se o “déficit ontológico” que marca a existência humana. Este déficit marca a consciência que cada um adquire a partir da interação que estabelece com outros sujeitos.
O medo de ser rejeitado é produzido pela expectativa que se move do “alter” para o “ego” na interação e é decorrente tanto da imagem que se forma nesse processo quanto da esmagadora força da incapacidade de perder que comentamos acima quando falamos da síndrome de gratificação imediata.
 
Nessas interações cada um acaba por avaliar-se moral, estética ou cognitivamente por meio da eleição dos predicados considerados mais desejáveis. “Por esta razão, há sempre a intenção de se construir uma “autoimagem” condicionada pela expectativa que se move do “tu” em relação ao “eu” no processo de interatividade” (PIRES, 2011).
O medo de ser rejeitado é produzido pela expectativa que se move do “alter” para o “ego” na interação e é decorrente tanto da imagem que se forma nesse processo quanto da esmagadora força da incapacidade de perder que comentamos acima quando falamos da síndrome de gratificação imediata.


A síndrome de aletofobia e os assistentes de palco.



“A necessidade de ser aceito pelo outro acaba produzindo no “eu” a necessidade de alterar os elementos estruturantes constitutivos da própria identidade” (PIRES, 2011). Passamos a desejar e a assumir os predicados alheios como meio de se construir uma socialização que não produza o trauma da negação e da autonegação.
Curiosamente acabamos por potencializar o medo de sermos rejeitados, pois damos o primeiro passo nos auto-rejeitando e fugindo à vida autentica.
As “coleguinhas de palco” e os “bombados” entram nesse jogo como as formulas prontas para aqueles que tem aversão à perda. Eles e elas projetam no imaginário popular um ideal de “desejabilidade” e com isso reforçam:
a) A síndrome da gratificação imediata. Na medida em que acena que o ideal de satisfação apregoado pelas músicas do sertanejo universitário é alcançável a qualquer um que se dedique ou que se possa pagar por isso. A qualquer um que consiga se auto-afirmar por meio de um corpo desejável.
b) reforçam a produção de identidades não - autenticas, uma vez que as relações estabelecidas são mantidas com base em uma estrutura de déficit onde uma das partes – ou as duas – estará sempre sentido-se descompensada em relação à outra e seus atributos. Uma vez que o indivíduos entra numa relação nunca com seus próprios predicados, mas com aqueles que imagina ser agradável e desejável pelo outro.
A desvalorização das próprias qualidades, à afirmação de predicados que não são os propriamente meus, mas afirmo possuir, isso conceituou-se de vida não - autentica, ou como diz o dr. Pires com maior precisão: síndrome de aletofobia. Uma incapacidade de reconhecer os próprios predicados e vivenciá-los associada à compulsiva tendência a copiar os predicados de terceiros. Tendência, que como foi dito, existe em função da aversão pela perda e medo de perder. Síndrome de aletofobia significa, portanto, a disposição contemporaneamente naturalizada de se viver por papeis que ocultem a verdade de quem o indivíduo realmente é.
Uma vida marcada peal busca e pelo medo. A busca eterna da satisfação – ou dito de uma forma mais acertada: a aversão por perder qualquer ínfima satisfação – e o medo de ser flagrado na realidade de que as qualidades que o “eu” possui não são aquelas que são socialmente desejáveis.
“Ai se eu te pego”, em nossos dias é mais que uma cantada, cantada nas noites de diversão daqueles que estão ansiosos por autoafirmar performaticamente seu potencial de atratividade e assim compensar seu subterrâneo medo de perder a possibilidade de sorver algum prazer que justifique a própria existência. É também uma ameaça que força todos que vivem sem uma estrutura valorativa firmemente estabelecida a se esconder sob uma máscara.

Referencial bibliográfico:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
GIDDENS, Anthony. Transformação da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo. São Paulo, UNESP, 1993.
______. As consequências da modernidade.São Paulo: UNESP, 1991.
TAVARES, Gilson. Os males da vida moderna e da dependência química. Disponível em: < http://www.webartigos.com/artigos/os-males-da-vida-moderna-e-a-dependencia-quimica/16369/>
______. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: Em defesa da sociologia. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 21 – 95.
LYOTARD, Jean François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: J.O. Editora, 1978.
PIRES, Anderson Clayton. Síndrome de aletofobia e cultura de repressão. In: Psicoteologia. São Paulo: Ano XXI, nº 26, I Semestre 2010, p. 16 – 20.


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